Crônica de uma Saudade

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    Hoje, como nunca antes, senti uma saudade tão grande da minha mãe… Durante os 15 anos em que ela foi acometida por uma enfermidade renal crônica, tornando-se dependente de uma máquina de hemodiálise para sobreviver, estive lado a lado, dia após dia acompanhando-a em suas batalhas.

    Três vezes por semana lá ia ela, levada ao Centro de Hemodiálise do Hospital Nossa Senhora das Graças onde ficava 4 horas presa à máquina para fazer a dolorosa filtragem do sangue, livrando-a das toxinas, que todos nós produzimos, e que eles, pacientes renais, não conseguem excretar.

    Nos outros dias, em que ela não ia ao hospital, ficava em casa, descansando, até a próxima diálise. Aí, rezava… costurava… lia… via programas religiosos na TV… e todas as outras coisas que nós “normais” fazemos: tomar café, almoçar e jantar!

    Invariavelmente, desde que ficou doente, eu prezava muitíssimo a sua companhia. Mamãe era muito lúcida, de uma memória invejável. E eu me deleitava com suas histórias e lembranças.

    Tomávamos o café e todas as refeições juntos, à mesa, e sempre assentados nos mesmos lugares: eu à cabeceira, ela à minha esquerda. Pedro, o nosso cão labrador, sempre que nos assentávamos à mesa, vinha de mansinho e se assentava no chão entre nós dois. Pra mim, ele nem olhava. Por ela, tinha verdadeira adoração!

    Olhava-a fixamente durante todas as refeições. Nunca “pedia” nada. Apenas a olhava, estático. E ela sempre o saudava: _Oi, Pedro!

    Apesar dos meus pedidos, não tinha jeito. Mamãe sempre dava algo para o Pedro: um pedaço de pão, um biscoito, ou algum item do seu prato, fosse no almoço ou no jantar. Pedro abocanhava com muita delicadeza e corria para a cozinha pra saborear o petisco recebido.

    Durante o almoço, de quando em vez, se fazia um grande silêncio e, nestes momentos, de uns anos pra cá, eu me voltava para ela, pousava minha mão esquerda sobre a sua direita e, olhando-a bem nos olhos, dizia-lhe com uma certa ênfase e um leve sorriso:_Eu te amo profuuuundamente!

    E ela, me devolvia com outro sorriso: _Também te amo!

    Aí, eu completava: _E o Pedro também!

    E ríamos agradavelmente!

    Mas naquele dia 30 de setembro de 2016, o último em que almoçamos juntos, ela me pareceu diferente. Ficou muito calada.

    Cabisbaixa… Quase não comeu…

    Ficou muito calada.

    Perguntei o que estava acontecendo. E ela se limitou a responder que estava sem fome… Como de costume tentei animá-la e, como de costume lhe disse: _Mãe… Eu te amo profuuuundamente!

    Ela não sorriu… Apenas me olhou fixamente e respondeu: _”EU SEI!”

    E ficamos ali em silêncio por algum tempo.

    Não sei porque, mas aquele “Eu sei…” me soou tão forte, tão definitivo… Quase uma despedida!

    À tarde, ao retornar da hemodiálise, veio calada no carro desde o hospital até em casa.

    Sentiu-se mal. Retornamos ao hospital e nunca mais jantamos juntos…

    Quase cinco anos se passaram e ainda sinto sua ausência à mesa. Mas hoje, nem sei porque, foi estranhamente mais doído…

    Desde a sua partida nunca havia sentido uma vontade tão grande de ouvir novamente aquele: _”Também te amo!..”

    Mas no fundo… “Eu sei”!

     

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